O hospital reinventado

Edson Pinto de Almeida

Quanto tempo faz que você não vai a um hospital? Antes de responder, procure pelo objeto de madeira mais próximo e dê três batidinhas: toc, toc, toc. Pronto. Agora já podemos pedir que você preste atenção na mudança espantosa que está ocorrendo no primeiro time dos hospitais privados de São Paulo. Os cuidados médicos e os equipamentos mantêm o padrão de excelência que você já conhece, comparáveis ao que há de melhor no exterior. A novidade é que nunca o paciente foi tão paparicado. Hospital que se preze hoje tem manobrista na porta, lobby de hotel cinco estrelas, cardápio assinado por um chef de cuisine. Um deles promove concertos para os pacientes e outro telefona depois da alta hospitalar para avaliar o atendimento. Enfim, os mimos são tantos que às vezes dá até vontade de ficar doente.

O festival de mordomias é a face mais visível da maior cirurgia já realizada na medicina paulistana - uma operação em que o médico é também o paciente. Dela não participam apenas os doutores de jaleco branco, mas administradores e economistas que, de paletó e gravata, trabalham para reinventar a gestão dos hospitais. No fundo, é a mesma operação pela qual passaram, na década passada, outros setores da economia submetidos ao choque da globalização: cortar custos, aumentar a eficiência e reforçar o caixa. Essa transformação só poderia começar em São Paulo, onde se pratica a melhor medicina do país. O motor é o mercado. Até o Plano Real, em 1994, a medicina privada brasileira vivia no Jardim do Éden. O custo dos serviços não era motivo de preocupação para os hospitais, já que as empresas de seguro-saúde pagavam qualquer fatura, sem reclamar.

Nem tinham motivo para isso, pois, com a hiperinflação, elas lucravam muito mais com as aplicações no mercado financeiro do que com o seu negócio propriamente dito. E ainda podiam repassar os aumentos para as mensalidades de seus clientes, sempre com margens vantajosas.

Convênios sob marcação

A estabilização da moeda acabou com a ciranda financeira e, a partir de 1998, uma nova lei regulamentou a atividade dos planos de saúde, que passaram a ter uma fiscalização dura. Agora os preços das mensalidades são controlados rigidamente, não há mais limite de tempo para internação hospitalar e os doentes crônicos já não podem ser excluídos das coberturas. Acontece que os planos de saúde respondem por 80% a 90% da receita dos hospitais privados. O impacto da mudança foi dramático. Várias empresas de medicina de grupo passaram por dificuldades e algumas trocaram de dono, como foi o caso da Unicór, em São Paulo. Parcerias de décadas, como a da Interclínicas com o Hospital Samaritano, acabaram. Quem sobrou passou a pressionar - para baixo, claro - os preços dos hospitais. Para os especialistas, o resultado desse choque foi positivo. "Não há mais espaço para a ineficiência", diz Afonso José de Mattos, presidente da Planisa, consultoria paulistana especializada em saúde.

No esforço para enxugar os orçamentos, muitos hospitais passaram a recrutar executivos no mercado, em áreas que nada têm a ver com a medicina (veja o quadro abaixo). Gestão profissional tornou-se a palavra de ordem. "Era preciso aplicar a lógica empresarial num ambiente que desconhecia as técnicas dos negócios", afirma Paulo Palombo, engenheiro que exerce o cargo de diretor técnico-administrativo do Hospital Oswaldo Cruz. "Tínhamos muita qualidade na atividade médica e pouca na área de gestão." Desde 1994, quando o também engenheiro Günther Kreinberg assumiu o comando do Oswaldo Cruz, as despesas administrativas já caíram 50%. A economia permitiu aumentar dez vezes a capacidade de investimento do hospital, que está aplicando 40 milhões de reais na construção de um novo prédio.

Fora da ala dos escritórios, no entanto, a tesoura do enxugamento não funciona com a mesma agilidade. Por se tratar de uma atividade que envolve vidas humanas, a qualidade dos serviços nos hospitais não pode ser afetada por medidas puramente gerenciais. Na maioria deles, a terceirização limitou-se aos serviços de lavanderia e de limpeza. "Até a porta do quarto dos pacientes o serviço é executado por uma empresa contratada", diz Palombo, do Oswaldo Cruz. "Dentro são os nossos funcionários que trabalham."

A tecnologia, nesse caso, é mais um complicador do que um aliado. Ao contrário do que acontece na indústria e no setor de serviços, as inovações tecnológicas nos hospitais raramente liberam mão-de-obra. "A modernização tecnológica é inevitável em qualquer hospital de ponta, mas nem sempre traz benefício financeiro", afirma Claudio Lottenberg, vice-presidente do Hospital Albert Einstein. O jeito é procurar as oportunidades de ganho em outras áreas, como nas compras de medicamentos, que representam cerca de 20% das despesas operacionais dos hospitais. Nesse caso, a solução foi somar forças. Quatro hospitais de São Paulo - o Einstein, o Sírio Libanês, o Samaritano e o São Luiz - se uniram ao Aliança, de Salvador, e ao hospital gaúcho Moinhos de Vento para, juntos, negociar no atacado com laboratórios farmacêuticos e distribuidoras. Além desse ganho de escala, tanto o Einstein quanto o Samaritano criaram grupos de trabalho para padronizar seus estoques de medicamentos.

O Einstein reduziu de 10 000 para 3 000 o número de itens na sua farmácia. No Samaritano o corte foi de 25%.

Sem medo do marketing

O passo seguinte é o que está sendo dado agora, com a adoção de estratégias agressivas de ampliação dos mercados. "Havia no passado um preconceito da área médica em relação ao marketing, mas hoje está claro que é uma ferramenta importante dentro dos limites éticos da atividade", diz André Staffa Filho, diretor financeiro do Hospital São Luiz, sediado na Vila Olímpia. Partiu de Staffa a idéia de encomendar uma pesquisa de mercado antes da decisão sobre o bairro onde seria instalada uma nova unidade do São Luiz. A pesquisa, feita em 1998, mostrou que mais de 50% da população do Tatuapé pertence às classes A e B, com uma média salarial de 3 400 reais, sendo que mais de 80% possuem convênio médico. Com isso, o bairro ganhou um novo hospital. Está prevista, para 2002, a inauguração do Hospital e Maternidade Anália Franco, a franquia brasileira no setor de hospitais.

A expansão do São Luiz começou no ano passado com a compra do Hospital Duprat, no Morumbi, por 5 milhões de reais. A meta agora é construir nos próximos quatro anos quatro unidades fora da capital: no Rio de Janeiro (já em construção, no bairro de São Conrado), no interior de São Paulo, em Brasília e em Salvador. "Se quisermos ser competitivos, precisamos ter escala", afirma Staffa.

O mesmo raciocínio levou o Einstein a investir nos últimos três anos 20 milhões de reais na abertura de duas unidades avançadas: uma de diagnósticos, na Avenida Brasil, e outra, com serviço ambulatorial e centro cirúrgico, em Alphaville. "Cada vez mais é preciso levar o hospital para perto do paciente", diz Lottenberg. Já o Sírio Libanês prefere aproximar o médico do hospital. Para isso, está investindo 10 milhões de reais para construir um centro de atendimento ambulatorial, anexo ao hospital, com salas para consultas, exames e pequenas cirurgias. "É uma prestação de serviço que tem o potencial de aumentar o número de internações", diz Edison Tayar, diretor administrativo do Sírio Libanês.

Outra faceta da evolução dos hospitais é o foco no atendimento nota 10 aos pacientes. O Samaritano criou uma estrutura denominada client care. Além de um serviço de atendimento telefônico, os pacientes crônicos contam com o apoio de uma enfermeira que dá acompanhamento contínuo, agiliza a realização dos exames e supervisiona a assistência domiciliar - o chamado homecare. O São Luiz dispõe de uma equipe de 40 pessoas em seu telemarketing. Depois de 15 dias da alta hospitalar, um funcionário liga para o paciente para saber o que ele achou do atendimento recebido. O Einstein adotou um programa de humanização dos cuidados hospitalares, com a criação de espaços culturais para concertos e exposições de arte. O objetivo é diminuir o estresse da hospitalização. Já o Oswaldo Cruz capricha na gastronomia. O chef Paulo Guilherme Rentz é especialista em frutos do mar: além da truta, prepara camarão empanado e um elogiado bacalhau ao forno.

Internações mais breves

Uma meta dos hospitais é reduzir o tempo de permanência de seus pacientes - a chamada desospitalização, uma tendência internacional. Trata-se de buscar novas formas de atendimento para procedimentos de baixa complexidade, como pequenas cirurgias que, muitas vezes, não demandam o pernoite do paciente no hospital. Essa nova prática ganha força com o avanço da tecnologia médica. Operações menos invasivas, como laparoscopias, reduziram para menos da metade o tempo de internação. "Todos ganham nesse processo", diz André Alexandre Osmo, gerente executivo do Einstein. "O tratamento fica mais barato tanto para o paciente quanto para o plano de saúde. Já os hospitais ganham no volume maior de pacientes atendidos." Das 2 000 internações registradas no Einstein todo mês, cerca de 600 são dessa nova modalidade. Metade das 1 400 cirurgias realizadas mensalmente no hospital são de curta permanência.

Com o crescimento dos serviços ambulatoriais, os hospitais privados poderão distribuir melhor os leitos existentes em vez de aumentá-los para atender à maior necessidade de internações. "No futuro, os hospitais serão grande UTIs para cirurgias complexas", diz Osmo, do Einstein.

A desospitalização pode ter um impacto significativo nas contas. A redução do tempo de permanência do paciente no hospital é diretamente proporcional à redução dos custos. No Einstein, o tempo médio de permanência caiu de 6 para 4,3 dias. O Samaritano conseguiu reduzir de 4,4 para 3,9 dias a permanência média. Em vez de reduzir, o hospital ampliou seu corpo de enfermeiras com nível superior, tirando delas as tarefas administrativas, que foram repassadas para as auxiliares.

Ao que tudo indica, o caminho do aumento da eficiência está apenas começando. Nos Estados Unidos, onde a reengenharia dos hospitais já completou 20 anos, ainda há muito a ser feito até que essas instituições alcancem os patamares de produtividade do restante da economia. Um recente estudo da empresa de consultoria McKinsey recomenda aos hospitais americanos que apliquem as mesmas técnicas modernas de logística que operaram milagres nas indústrias do país. Trata-se de encarar o atendimento a cada paciente como um "processo", tal como a linha de montagem de uma peça, e identificar os "gargalos" que atravancam a execução das tarefas.

Na prática, o raciocínio da McKinsey não é tão brutal quanto parece. Num hospital de Nova York, os consultores descobriram que a maioria das operações de ponte de safena ocorre às sextas-feiras, o que provoca um congestionamento nas salas de cirurgia. É que a maioria das pessoas que sofrem de dores moderadas no peito durante o fim de semana - quando esses problemas cardíacos são percebidos com mais freqüência - só chegam ao hospital num prazo de três dias, depois de passarem por seus médicos particulares. Até que todos os testes sejam feitos, já é sexta. O hospital passou a adiar procedimentos menos urgentes, como cateterismos, para o início da semana seguinte. Assim, as salas de cirurgia foram liberadas para as operações de safena, sem filas.

No caso dos hospitais de São Paulo, existe um forte estímulo para a modernização administrativa. O Brasil é o segundo maior mercado de medicina privada do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, e o Estado de São Paulo concentra 58% dos usuários de planos de saúde do país, segundo estudo encomendado pela Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge). A previsão é de que, em cinco anos, esses convênios médicos atenderão 40% da população. Quem vai querer ficar de fora desse filão?


Fonte: Revista EXAME SP Edição(04)

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